28 de abril de 2005

viver em Italia; os autocarros-abrigo

Disse-me o Bruno que tinha a vantagem de pelo menos nao viver em Portugal que é um pais deprimente. Concordo plenamente, mas às vezes pode ser deprimente tambem aqui em Roma.
No Porto, uma das minhas cidades de origem, existem revisores nos autocarros. Em Roma nao; toda a gente anda sem pagar, e (muito) de vez em quando é apanhada pelo pica, que mesmo assim com uma boa historia deixa passar a multa. Passando por cima de toda a questao de um serviço publico ser assim clamorosamente mal gerido, ha' um problema ainda maior: os autocarros nocturnos sao autenticos dormito'rios para os sem-abrigo. Ainda noutro dia apanha'mos um desde a estaçao até casa, às quatro da manha - e havia pessoas com mantas e mochilas, a ocupar dois lugares cada uma. E um cheiro indescritivel (começa a estar calor a sério por aqui) e o autocarro cheio de gente que nao se podia sentar e quase respirar. E ainda por cima, quando me lembrei de protestar que nao havia direito, ainda levei com um "nunca se sabe quando sera' a tua vez de precisares de dormir nos autocarros" da minha cara amiga Luisa.
Nao acho que hoje em dia so' é sem abrigo quem quer (como a outra senhora), mas custa-me ver um Estado que trata os seus cidadaos como animais: os que pagam e usam os transportes publicos, e os que os usam como casa e que nao tem mais para onde ir.
Em Roma cada vez mais a populaçao é constituida por funcionarios do aparelho de Estado, bem pagos e com rendimento para toda a vida, e por pedintes miseraveis, ignorados nos autocarros porque o que importa é nao fazer ondas. Nao é so' Portugal que é deprimente.

27 de abril de 2005


Roma, Via Giulia, caixa de esmolas (elemosine) na fachada de uma igreja.

porque nao sou ateu

titulo inspirado pelo Bertrand Russel

Pelas mesmas razoes que nao sou cato'lico. Um cato'lico acredita, tem fé, melhor sente a fé, coisa que nao me acontece. Procuro uma explicaçao racional para as coisas que acontecem à minha volta, e quando ela nao existe, contento-me com isso e claro, com a esperança (que nao fé) no progresso e ampliaçao do conhecimento humano, logo com a possibilidade de uma soluçao. De um modo Popperiano, os problemas e as soluçoes sucedem-se consecutivamente numa espécie de cadeia; quando nao se encontra uma soluçao, por vezes é preciso voltar atra's na cadeia e eliminar ou reformular soluçoes precedentes (foi o que aconteceu com a teoria da relatividade). Logo, nao ha' dogmas - tudo pode ser refutado, desde que o seja de uma modo racional (2+2=4) e que proponha uma nova soluçao, melhor que a anterior. Ora, se nao ha' dogmas, tambem nao ha' ateismo, ja' que este acredita que Deus nao existe, enquanto que para um agno'stico (como eu) a sua existencia nao esta' provada racionalmente. A diferença entre um e outro nao é tao pequena quanto isso. E' a diferença entre fé e razao.

O direito à arquitectura 2

É a falácia corporativista da nossa Ordem. Toda a gente devia poder assinar um projecto, desde que cumpra a lei. E esta deve ser o menos restritiva possível, de maneira a assegurar a qualidade de construção e a não destruição da paisagem natural/urbana (o que já não é pouco, e de qualquer maneira ainda não existe). Não discuto se o RGEU deva ser alterado, melhorado, etc., mas a verdade é que para fazer um projecto que o cumpra não é preciso andar seis anos a estudar, nem deve. Isto porque numa sociedade que se quer livre (e para mim mais liberal...) não se pode obrigar ninguém a pagar a um arquitecto para ter um projecto putativamente melhor (aliás, sabemos todos que não é sempre o caso). Quem paga a um arquitecto deveria fazê-lo apenas por querer ter um valor acrescentado, uma qualidade “erudita” e não “popular”. Mas se quiser ter o popular, por que raio é que se deve impedi-lo? A não ser por um saloio e provinciano corporativismo proteccionista, aquilo que lentamente e cada vez mais está a afundar o nosso país.

26 de abril de 2005

Para uma definiçao: o direito à arquitectura

é exactamente o direito a ter a arquitectura que se quiser. Nem o Estado nem a Ordem dos Arquietctos devem meter o nariz. Isto em relaçao à revogaçao do 72/73, que como ja' li algures no site da Ordem é "desejada por todos os arquitectos". Com licença... Ainda nao posso usar o titulo de Arquitecto (embora ja' tenha a licenciatura e graças a mais uma brilhante medida da Ordem, o esta'gio curricular) mas eu, pelo menos, nao a desejo.
A exclusividade, para os arquitectos, de assinar projectos de arquitectura so' significa uma coisa: que em vez de se esforçarem para sair da miséria em que se encontra a profissao, preferem refugiar-se em medidas proteccionistas e anti-liberais. De volta à Idade Média.
E nao, nao é linear que so' os arquitectos possam fazer arquitectura. Alias, sempre foi assim; o que é a Arquitectura Popular senao Arquitectura feita por nao-arquitectos? Nao vale defender o Inquérito à Arquitectura Popular por um lado e por outro recolher assinaturas contra aquilo que ele representa: que é como quem diz, vai ser popular, mas la' para a tua terra. Ou seja, alem de anti-liberal, é profundamente elitista defender a revogaçao do decreto.

cena'rio


esta é daquelas que devia ter ido parar a outro lado qualquer e, como nao foi utilizada, ponho-a aqui. E' um tipico remake da Scena Tragica, do Serlio, e devia estar no cartaz da peça "Entristecer" da aldeia da Castanheira.

a semana passada

foi do piorio. Sempre a trabalhar. Esta, espero postar alguns comenta'rios à realidade, especialmente umas farpas à nossa Ordenzinha.

13 de abril de 2005

frases miticas da Escola

A implantaçao depende da altura do rodapé.

Uma lenda, esta, do nao menos lenda'rio Rocha. A ideia de que o projecto é um puzzle modular no qual cada dimensao se relaciona geometricamente com as outras nao é mais do que aquilo que o Alberti ou o Palladio diziam (e faziam). Foi tambem a primeira vez que ouvi alguem na Escolinha falar de como se fazia arquitectura, e nao de cliches como os enfiamentos, as afirmaçoes, o fazer ou nao sentido, o agarrar-se ao terreno etc. Estes lugares comuns abundavam tanto que, no primeiro ano, num daqueles textos que era preciso escrever para "justificar" o projecto, usei-os todos de propo'sito. (na verdade de certeza que ainda abundam) (nao quer dizer que se deva fazer arquitectura assim, mas quando se é estudante, nao se sabe a ponta dum corno e toda a gente à nossa volta fala de questoes eso'téricas ajuda bastante).

palavras romanas

piottare - conduzir depressa. Havia ha' uns anos um cantor pimba chamado Er Piotta.


a minha casa é algures por aqui.

8 de abril de 2005

para uma definiçao de arquitectura


em resposta ao desafio do Tiago. Começo com o unico projecto realizado do Piranesi, a Igreja dos Cavaleiros de Malta no Aventino, em Roma. E' obviamente impossivel fotografa'-la bem, porque esta' escondida e nao se pode visitar. E' um dos cantos do cisne do barroco romano, mas espacialmente pouco mais é do que uma caixa simples com um telhado a duas aguas; ou seja, nada de extases espaciais borrominianos. Parece sim uma das gravuras do autor: estampada de baixos-relevos, bizarros e justapostos de um modo completamente nao otodoxo sobre as superficies lisas das paredes, como se estas fossem papel.
Em que é que isto entra com o tema? Pois bem, para mim isto é arquitectura, arquitectura como linguagem. E nao estou a dizer que arquitectura seja linguagem, porque acho, ao contrario das citaçoes do Tiago, que ela é feita de coisas fisicas, mas o que verdadeiramente a distingue de um pedaço de pedra ou de uma montanha é aquilo que ela diz, e no caso da arquitectura erudita aquilo que ela quer dizer e se o consegue e como. Por isso posso gostar de gente tao diversa como dos nossos Santos Padres da Escolinha e também deste tipo (a que alias devo esta ideia).

5 de abril de 2005

nem de proposito


a Praça de S. Pedro antes da confusao actual, em que la' dormem pessoas e a fila para a camara ardente dura até às duas da manha, interrompida para limpezas até às cinco.
O Portoghesi escreve na Roma Barocca qualquer coisa do género: a genialidade da colunata é o tornar-se completamente transparente ou opaca conforme o ponto de vista.

4 de abril de 2005

Os computadores e a arquitectura

Nos últimos tempos aconteceram-me dois episódios que me puseram a pensar nisto: um, um aperitivo com alguns professores da Universidade de Notre Dame, em Roma, em que um deles dizia “Podemos ter melhores computadores, mas não acho que tenhamos melhor arquitectura”. Outro, o fim-de-semana em Veneza em que este moço se pôs a testar frente a frente um mac e um pc.

1 • Computadores vs Canetas • A frase do senhor é inteligente, mas muito parcial. Eu, como escravo, prefiro arrastar linhas no Autocad que estar debruçado sobre o estirador. Nem sequer é uma questão de poupar tempo (acho que no fim de contas não se poupa grande coisa, a não ser que se trabalhe de um modo muito organizado), mas sim de poupar tempo a fazer fregnacce, coisas estúpidas como fazer as matrizes a lápis (já lá vão uns anos!) para depois passar a tinta, para depois passar a lâmina e emendar o que se errou e repetir o processo. Um desenho à mão tem mais expressão e sempre o terá, pelo menos em teoria, tal como um vinil tem sempre melhor som que um CD, em teoria. Mas na prática qual é a vantagem de dar uma expressividade maravilhosa a desenhos que vão ser vistos na obra? Depois pode-se sempre ter alguns desenhos feitos à mão (i.e. passados a tinta, com aguarelas, etc) se se quiser publicar e ter a melhor qualidade possível, mas parece-me que hoje em dia organizar o trabalho como há trinta anos atrás não tem lógica nenhuma, sobretudo quando quem tem que o executar, nós escravos, são pessoas para quem o computador é uma terceira mão.

2 • Mac vs PC • Aqui é que a porca torce o rabo. Eu uso, desde que arrumámos o Spectrum, computadores Macintosh, onde aliás escrevo este texto. São lindos e perfeitos, elegantes tanto por fora como no sistema operativo. Mas há pouco tempo descobri também que não só são lentos, como se estão a tornar cada vez mais inflexíveis e ditatoriais. Com os sistemas antigos (até ao 9) podia-se organizar ou desorganizar tudo como se quisesse, adicionar fontes, aplicações, etc sem grandes preocupações de coerência. De vez em quando havia uns erros de sistema (a mítica mensagem com a bomba) mas poucas vezes era alguma coisa grave. Agora, a política da Apple parece ser a de uniformizar tudo: vêem-se as fotos com o iPhoto, ouve-se música com o iTunes, and so on, tudo na maior coerência estética possível. O facto de que cada vez que ligo a máquina fotográfica ao computador tenha que esperar que o iPhoto carregue não importa; o facto de que o iPhoto seja lentíssimo também não importa – o que importa é que é tudo esteta ao limite da insuportabilidade, tudo irritantemente pré-definido por mim. Quando comecei a usar PCs em Itália e me apercebi que para fazer um simples slide show basta abrir a fotografia, sem esperar, foi como uma revelação. Tão simples! Sem programa nenhum! No tal fim-de-semana em Veneza, o mesmo moço acabou por desabafar: “Mas tu não compraste um Mac para ter o computador mais rápido, pois não?” Boa, compramos computadores para serem mais lentos. Os motivos invocados eram então que o sistema era mais estável (o que quer dizer que vai abaixo POUCAS vezes menos que os outros), que não havia vírus (o que quer dizer que não é preciso ter um vulgar anti-vírus) (aliás, também quer dizer que, se não há vírus, é porque ninguém usa os Macs...por muito que queira acreditar que o facto de o sistema operativo ser baseado em Unix o torna difícil de enganar) e que a próxima versão do Archicad vai ser mais rápida no Mac (neste momento é ao contrário). Ora, parece-me pouco, francamente. Eu sou do tempo em que os PCs tinham monitores CGA ou lá o que era que só mostravam 16 cores e com uma resolução de fazer inveja a um Gameboy. Eram chamados, pelos intelectuais abastados que podiam comprar Macs, (como eu) de “cafeteiras”, feitos de peças diferentes e anónimos, enquanto que “nós” tínhamos uma máquina com verdadeira personalidade. Esses tempos já lá vão, e ainda bem, porque mais pessoas podem ter um computador decente. A verdadeira fregatura, no entanto, fica para nós, arquitectos utilizadores de Macintosh. Porque “eles” podem escolher, enquanto que nós não – temos que nos conformar com programas de CAD terceiro-mundistas, como se usa em Londres porque os bons são caros demais. E aqui passamos ao próximo ponto:

3 • Archicad vs Autocad • Também sou do tempo em que um engenheiro veio lá a casa, estivemos a mostrar-lhe o Archicad no Mac e no fim ele disse “Isso é porreiro, mas acho que mesmo assim os outros são mais científicos.” HAHAHA grande labrego dissemos nós quando se foi embora. Pois, também são tempos que não voltam. Tudo o que o Archicad faz, o Autocad faz também, mas em metade do tempo. Mais uma vez, foi preciso vir para Itália para me dar conta de como era estúpido fazer desenhos em 2D no Archicad, e de como era rígido e limitativo no 3D. Basicamente, o Archicad é um programa antipático – parte do princípio que o utilizador não é muito inteligente e então não o deixa fazer muitas coisas. Isso não é simpático. E quanto a mim é também um princípio fascizante e totalitário; porque é que não posso fazer o projecto como me apetece, sem usar ângulos, materiais e objectos que alguém pré-definiu por mim? (essas coisas irritam-me profundamente).
O Autocad, pelo contrário, pode ter imensos defeitos (parece uma manta de retalhos, deselegante, com milhares de ícones e opçõezinhas e comandos que ao princípio não se sabe muito bem para que servem) mas basta um mês e já se é mais produtivo do que com qualquer outro – e com muito mais possibilidades de ter liberdade criativa. E não está disponível para Macintosh.

Um computador é uma ferramenta, como um martelo. Quando preciso de pregar dez mil pregos procuro comprar o martelo mais eficiente, não o mais bonito.
Sendo assim, anuncio que assim que me derem um salário decente vou chutar o Mac (perdoa-me!) para um canto escuro e comprar um PC. Pode ser que quando isso aconteça a história já seja outra.

1 de abril de 2005

so para que fique bem claro

Os blogs a que vou diariamente sao: o Abrupto (nem é preciso dizer nada, mas também so' vou pelo comentario politico. Ao principio ainda me esforçava por ler os poemas e contemplar as imagens, mas depois nao ha' paciencia); o Desesperada Esperança (que me faz ficar deprimido ou rir à gargalhada, logo nao aconselhado a visitas frequentes), o Picuinhas (agora morto, mas os posts do Picuinhas himself faziam-me chorar de tanto rir em Londres) e por ultimo, o meu preferido, A Blasfémia (muito especialmente tudo o que escreva o Joao Miranda - é simplesmente do melhor, no prisoners taken!).
Quanto aos amigos, o Whiskissos do Lobao com excelentes fotos a armar ao pingarelho e o narcisistico Allegro ma non troppo, cujo marmelo-em-chefe convido a escrever mais sobre politica para termos umas troacs de galhardetes à moda antiga.
Espero conseguir perceber este blogger e conseguir por estes endereços aqui ao lado.